População que regressou a Palma passa fome e instituições públicas continuam fechadas

 Cerca de um mês depois de terem sido controlados os ataques terroristas em Cabo Delgado, quase todas as instituições do Estado continuam com as portas fechadas.



A situação é considerada grave no distrito de Palma, a única das várias zonas libertadas pelas Forças de Defesa de Moçambique, com o apoio do Ruanda, em que é permitida a entrada de civis.

Naquele distrito, os poucos regressados, que tiveram coragem de voltar às suas casas, encontraram apenas rastos de destruição e a vila transformada num autêntico quartel militar.


“Eu tinha fugido para Quitunda e, quando regressei à vila de Palma, há cerca de uma semana, encontrei apenas militares e todos edifícios do Governo destruídos e fechados”, contou Sufo Assane, um dos primeiros regressados das zonas que eram consideradas seguras, depois do assalto armado de 24 de Março último.


Além da ausência do Estado, muitas famílias, que regressaram para as zonas libertadas, estão a enfrentar a fome e sobrevivem graças à solidariedade de pessoas que encontraram alguns produtos agrícolas nas suas machambas.


“Desde que chegamos aqui, ainda não recebemos ajuda do Governo e comemos mandioca e folhas de batata-doce que somos oferecidos por pessoas que conseguiram recuperar alguns produtos das suas machambas”, explicou Bacar Macotcha.


RETOMA COMÉRCIO TÍMIDO EM PALMA…


Alguns pequenos comerciantes que regressaram à vila retomaram o negócio e vendem, entre outros produtos, alimentos básicos, mas têm poucos clientes, devido ao fraco poder de compra da maior parte das famílias que vão regressando às suas casas.


“Quando regressei, reabri o meu negócio de venda de produtos alimentares, mas, devido ao preço, tenho poucos clientes”, disse Ussene Anli, um pequeno comerciante da vila de Palma que está a vender o quilograma de arroz e de farinha de milho a cento e cinquenta meticais, enquanto, para a mesma quantidade açúcar, aplica o preço de duzentos meticais. Um litro de óleo custa entre cem a cento e cinquenta meticais, dependendo da qualidade do produto.


Outra preocupação dos regressados está relacionada a acomodação, e algumas famílias ainda dormem ao relento enquanto aguardam por uma oportunidade para reconstruir as suas casas destruídas durante os ataques armados.


“A minha casa foi queimada e, desde que voltei, durmo no quintal. Não comecei a construir uma nova casa, porque o material de construção está no mato e, até agora, ainda estou a pensar como irei edificar uma nova casa, uma vez que tenho medo de ir ao mato por temer ser confundido com o grupo que efectuou ataques aqui”, lamentou Mussa Ali, um dos sobreviventes do ataque de 24 de Março.


Outra preocupação da população de Palma é a falta de cuidados de saúde. “O Hospital está fechado e não temos nenhum enfermeiro. Quando alguém está doente, vai a Quitunda, a cerca de quinze quilómetros daqui”, relatou Aissa Momamade, uma das poucas mulheres que regressou à vila de Palma.


HÁ ESCASSEZ DE MEDICAMENTOS EM QUITUPO


Quitupo é a vila de reassentamento da população que foi retirada da península de Afungi, para dar lugar à exploração de gás na bacia do Rovuma. Por estar localizado num lugar considerado relativamente seguro, devido à aproximação em relação ao acampamento da TOTAL, desde o assalto armado à vila de Palma, tornou-se num dos maiores campos de concentração de deslocados ao nível do distrito.


Devido ao elevado número de pessoas, o centro de saúde local já esgotou a capacidade normal de atendimento e já está a registar ruptura de stocks de medicamentos considerados essenciais pelo Ministério da Saúde.


“Há muitas doenças aqui, e parece que o hospital já não aguenta mais, porque somos muitos a necessitar de cuidados médicos. O atendimento é lento, chegamos a ficar aqui quase todo o dia e o pior de tudo é que, muitas vezes, faltam medicamentos”, revelou Muza Amade, uma paciente que ainda vive como deslocada em Quitupo e foi obrigada a procurar por cuidados de saúde, por causa do seu filho de dois anos que apresentava febres e estava com diarreia.


O reduzido número de pessoal para atender a demanda de pacientes e a falta de medicamentos essenciais no Centro de Saúde de Quitunda, a única unidade sanitária que continua aberta em todo o distrito de Palma, não só preocupa a população, mas também o pessoal médico que está a trabalhar sob forte pressão e quase sem descanso.


“Quase todos os dias, trabalhamos das seis às 18 horas e, muitas vezes, não almoçamos, só jantamos”, detalhou Madalena Ilapo, responsável pelos Serviços Materno-infantis no Centro de Saúde de Quitupo.


De acordo com Madalena Ilapo “além de pessoal médico, precisamos urgente de reforço em medicamentos para ajudar a salvar a vida da população, principalmente anti-maláricos, soro fisiológico, metronidazol e paracetamol, porque a maior parte das doenças que registamos são a malária, diarreias e desnutrição crónica. Esta última enfermidade deve-se às mães lactantes que não conseguem amamentar os seus bebés, devido à má alimentação”.


Nas zonas libertadas em que as unidades sanitárias estão encerradas, os sobreviventes dos ataques terroristas recebem cuidados de saúde do pessoal médico das Forças Armadas de Moçambique, que estão a ajudar o sector da saúde a evitar uma crise sanitária.


A situação dos regressados às zonas libertadas em Cabo Delgado é considerada dramática e, actualmente, precisam urgentemente de comida, vestuário, acomodação e da presença do próprio Estado.


Além da ausência do Estado, segundo apurou “O País”, nenhuma Organização Humanitária chegou às zonas libertadas.

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